A Amnistia Internacional – Portugal considerou hoje um “abuso de poder do Estado” angolano (do MPLA, no poder há 45 anos) ao não permitir a entrada de deputados e activistas na vila mineira de Cafunfo, na Lunda Norte, onde a polícia matou – segundo a versão oficial – seis manifestantes há uma semana.
“Além do abuso de violência policial que causou esta tragédia, estamos agora a verificar outro abuso do Estado, que é não permitir aos deputados e activistas que façam o seu trabalho no terreno”, disse Pedro Neto, director-executivo da Amnistia Internacional Portugal.
Activistas disseram que a polícia do MPLA deteve, esta madrugada, André Candala, catequista e morador em Cafunfo, que denunciou a “morte de inocentes” na semana passada durante uma tentativa de manifestação que o Governo classificou como “acto de rebelião”.
Em declarações à Lusa, os activistas referiram que o filho de André Candala, Paulo André Candala, foi também detido e ambos foram espancados.
Entretanto, fonte familiar disse que os dois activistas já foram libertados, mas acrescentou que pelo menos André Candala foi espancado pela polícia ou, admite-se, por terem chocado contra os cassetetes dos polícias…
Pedro Neto avançou que a Amnistia Portugal já tinha conhecimento de que as pessoas que estavam na aldeia de Cafunfo “não podiam falar para fora, para o mundo, sobre o que estava a acontecer”, lembrando que o facto de alguns testemunhos serem feitos sob anonimato revela “uma prova de demonstração real do medo”.
“Um senhor catequista, André Candala, de 72 anos, idoso é catequista, foi detido, juntamente com o filho e foram torturados, algemados com fita cola nas mãos e nos pés e foram espancados porque denunciaram o que estava a acontecer”, explicou.
O responsável lamentou também que a Assembleia Nacional (desde sempre dominada pelo partido de João Lourenço) tenha dito haver uma regra que diz que os deputados não podem circular ou fazer viagens de trabalho sem autorização do presidente da Assembleia Nacional, afirmando que não é verdade o que está a ser avançado.
“Esta regra é falsa, eu desminto completamente. Trata-se de um tique de autoritarismo inaceitável”, reconheceu o responsável, sublinhando que os deputados “gozam de livre transito, mesmo em lugares públicos de acesso condicionado”. Gozam? Vê-se. Não se confunda um Estado de Direito Democrático com uma “reipública” e um “reigime” ditatorial como é, como sempre foi, o do MPLA.
Pedro Neto condenou ainda que “nem o Governo, nem a Assembleia Nacional ao seu mais alto nível” se preocupem em perceber o que aconteceu, parando com “estes abusos e violações de direitos humanos que a polícia, em nome próprio do Estado, está a cometer”.
“Estão a partidarizar o assunto e a chutar para canto”, reconheceu.
O responsável espera que quer ao nível da CPLP (organização que se limita a fazer o que o MPLA manda), quer das Nações Unidas (cujo secretário-geral, António Guterres, conta com o apoio do MPLA para ser reeleito) e da União Africana venha a existir uma “posição condenatória sobre aquilo que está a acontecer”, sendo exigido “a nível internacional investigações completas ao que aconteceu”.
Desde sábado, dia 30 de Janeiro, que Cafunfo está fortemente militarizada, sendo visível o patrulhamento das ruas pela polícia e Forças Armadas Angolanas (FAA). Vários moradores fugiram para as matas e encontram-se escondidos desde a semana passada. Há também um número indeterminado de detidos e desaparecidos.
Organizações Não-Governamentais, bispos católicos e a oposição angolana condenaram o que dizem ter sido “um massacre” e pediram um inquérito independente sobre os acontecimentos.
Uma delegação da UNITA, que integra os deputados Alberto Ngalanela, Joaquim Nafoia, Domingos Oliveira, Sindiagani Bimbi e Rebeca Muaca, foi barrada à entrada de Cafunfo e aí se mantém desde quarta-feira. Isto porque, recorde-se, a legislação angolano preserva a propriedade privada, razão pela qual o proprietário da região de Cafunfo (bem como de todo o país), o MPLA, tem legitimidade, autoridade e meios bélicos para a impedir a entrada de bandidos, terroristas e outros criminosos.
O líder do maior partido da oposição angolana, Adalberto da Costa Júnior, afirmou na sexta-feira que a retenção de cinco deputados à entrada de Cafunfo é “a confissão clara do massacre praticado” na vila mineira, rica em diamantes, da Lunda Norte e da ocorrência de “operações de limpeza” na zona.
O presidente da Assembleia Nacional do MPLA, Fernando da Piedade Dias dos Santos, recusou no sábado qualquer responsabilidade sobre a missão de cinco deputados da UNITA, alegando que “a deslocação não foi feita no quadro de uma comissão parlamentar multipartidária, como seria recomendável”.
Segundo Fernando da Piedade Dias dos Santos, “é regra que os deputados não se podem deslocar sem autorização do presidente da Assembleia Nacional”.
O Movimento Protectorado da Lunda Tchokwe luta pela autonomia da região das Lundas, no Leste-Norte de Angola. A autonomia da região das Lundas é reivindicada por este movimento que se baseia num Acordo de Protectorado celebrado entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal nos anos 1885 e 1894, que daria ao território um estatuto internacionalmente reconhecido.
Portugal ignorou a condição do reino (tal como também fez em relação a Cabinda) quando fingiu negociar a independência de Angola entre 1974/1975 com os três movimentos de libertação, embora só o tenha feito com o MPLA.
Recorde-se, para bem do anedotário nacional e internacional (na vertente dos criminosos), que o Comandante-geral da Polícia (do MPLA), Paulo de Almeida, defendeu o uso de “meios desproporcionais” para responder efectivamente contra ameaças ao Estado. E assim sendo, disse Paulo de Almeida, a resposta da polícia no caso de Cafunfo, bem como nos massacres de 27 de Maio de 1977, foi em legítima defesa.
O comandante-geral da Polícia Nacional afirma (como aliás fez o seu primeiro presidente, Agostinho Neto, ao manda massacrar milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977), que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcionalidade, como defendem as… pessoas.
“Isso é muito bom na teoria jurídica, nós aprendemos isso no Direito. O Estado não tem proporcionalidade, você quando está a atacar a unidade, o Estado, o símbolo, está a atacar o povo“, disse Paulo de Almeida, numa conferência de imprensa destinada a supostamente esclarecer os incidentes na região do Cafunfo, onde o MPLA mostrou mais uma vez – como já fizera Agostinho Neto em 1977 – que não está para perder tempo com julgamentos, razão pela qual mata primeiro e interroga depois.
“Você está a atacar o Estado angolano (leia-se MPLA) com faca, ele responde-te com pistola, se você estiver a atacar com pistola ele responde com AKM, se você estiver a atacar com AKM, ele responde com bazuca, se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra-terra, terra-mar ou ainda que for um intercontinental, vai dar a volta depois vai atacar”, referiu, com o brilhantismo que merece uma condecoração, o Comandante Paulo de Almeida.
Folha 8 com Lusa